Aerial view of the camellones of the Llanos de Mojos, Beni, Bolivia

Fig. 1 Vista aérea dos camellones de Llanos de Mojos, Beni, Bolívia (Denevan, 1966).



BALANÇO DE NUTRIENTES SOB PULSO DE INUNDAÇÃO


Victor M. Ponce

Professor of Engenharia Civil e Ambiental

San Diego State University

San Diego, California

[091106]

[Traduzido do Inglês por Samara Salamene]


1.  INTRODUÇÃO

Os nutrientes são elementos e compostos químicos exigidos pela biosfera para seu bom funcionamento. O balanço de nutrientes refere-se à contabilização, em várias escalas de tempo, da fonte, transporte e destino dos nutrientes nos ecossistemas naturais e artificiais. As características do balanço de nutrientes determinam o sucesso ou o fracasso de ecossistemas artificiais, dos quais os seres humanos dependem de alimentos e fibras. Como mostrado aqui, mesmo para os ecossistemas naturais, o equilíbrio de nutrientes é primordial.

O pulso de inundação é a inundação sazonal anual de áreas relativamente planas e baixas, adjacentes aos grandes rios (Junk et al., 1989). O pulso de inundação é condicionado pelo clima e geomorfologia local. Por sua vez, o equilíbrio de nutrientes é afetado pelo pulso de inundação. Nesses ecossistemas, geologia, geomorfologia, hidrologia e ecologia estão entrelaçadas de tal maneira que é impossível separá-las. Elas devem ser consideradas como um todo, ou seja, fazendo uma análise holística do ecossistema.


2.  O CICLO DO NITROGÊNIO

Entre os nutrientes essenciais, o nitrogênio se destaca por sua ampla disponibilidade. O nitrogênio molecular (N2) constitui 78% da atmosfera da Terra. O nitrogênio circula pela biosfera por meio de cinco processos bioquímicos: (1) fixação, (2) amonificação, (3) nitrificação, (4) assimilação e (5) desnitrificação (Fig. 2). Na fixação, o nitrogênio entra na biosfera através de: (a) ação de raios, (b) mediação de bactérias fixadoras de nitrogênio e (c) nas sociedades desenvolvidas, através de processos industriais. Na amonificação, a matéria orgânica em decomposição é convertida em compostos gasosos de amônio. Na nitrificação, os compostos de amônio são convertidos, isto é, oxidados para o estado sólido, primeiro em nitritos e depois em nitratos. Na assimilação, as plantas absorvem nitratos do substrato, onde ficam disponíveis para reciclagem. Finalmente, na desnitrificação, os nitratos são convertidos, isto é, reduzidos através de uma série de etapas intermediárias, para o nitrogênio molecular, que escapa para a atmosfera, fechando o ciclo do nitrogênio.

nitrogen cycle
Traduzido de Johann Dréo (Wikimedia Commons)
Fig. 2  O ciclo do nitrogênio.

Assim, fica claro que o quinto processo, a desnitrificação, é necessário para fechar o ciclo do nitrogênio, devolvendo o nitrogênio à atmosfera, de onde se originou. Significativamente, a ausência de desnitrificação terá o efeito de abrir o ciclo do nitrogênio. Nesse cenário, o nitrogênio tenderá a se acumular na litosfera, onde estará disponível para o cultivo como um componente de alimentos e fibras, se necessário. Por outro lado, a desnitrificação efetiva fechará o ciclo do nitrogênio, inibindo assim o acúmulo de nitrogênio e prejudicando a possibilidade de cultivo.


3.  ECOSSISTEMAS NATURAIS E ARTIFICIAIS

Os ecossistemas naturais estão sujeitos às leis naturais. Ecossistemas artificiais como a agricultura, particularmente a agricultura irrigada, têm restrições sociais e econômicas que se traduzem em práticas ou leis. Exportar nutrientes é uma prática estabelecida no manejo de ecossistemas artificiais. A exportação de nutrientes não pode ocorrer na presença de um efetivo ciclo do nitrogênio. Na ausência de insumos externos, um ecossistema naturalmente desnitrificante não funcionará bem para a agricultura, porque o nitrogênio será perdido, ou seja, retornado à atmosfera e, portanto, não estará disponível para ser exportado.


4.  ECOSSISTEMAS DE DESNITRIFICAÇÃO

Onde estão esses ecossistemas desnitrificantes, aparentemente inadequados para a agricultura? Eles são certamente os ecossistemas de pulso de inundação, nos quais a combinação de clima, geologia, geomorfologia e hidrologia é tal que incentiva a desnitrificação. Períodos alternados de aerobiose e anaerobiose em um ecossistema natural levarão à nitrificação, seguida pela desnitrificação e, portanto, ao eventual retorno do nitrogênio à atmosfera (Welch, 1982).

Aerobiose ocorre durante a estação seca; anaerobiose durante a estação chuvosa, se a última for longa o suficiente. Um pulso de inundação anual, com uma sequência de períodos secos e úmidos, com duração aproximada de seis meses cada, terá uma tendência a fechar o ciclo do nitrogênio. Observe que a taxa de difusão de oxigênio na água é 10.000 vezes menor que a do ar. Quando a água é forçada a se difundir através dos poros saturados, a restrição no transporte de oxigênio rapidamente leva a condições anaeróbicas. A exportação antropogênica de nutrientes será difícil nessas circunstâncias. Os ecossistemas desnitrificantes podem ser adequados para usos como criação de gado e hábitat da vida selvagem, mas não para agricultura intensiva.

A Figura 3 mostra que a redução de nitrato, resultando na desnitrificação, é a segunda de uma série de várias reações bioquímicas diferentes ocorrendo em ecossistemas de áreas úmidas, variando a partir da redução do oxigênio de altos valores positivos de potencial redox (800 mV), para metanogênese com baixos valores negativos (-400 mV). A partir desta figura, conclui-se que a desnitrificação é mais comum em áreas úmidas do que a metanogênese. Isso é compreensível, pois a última está no final da série, envolvendo a redução da própria matéria orgânica.

redox reactions

Fig. 3  Sequência de reações bioquímicas, em função do tempo, em ecossistemas de áreas úmidas.


5.  PRIMEIRO PRINCÍPIO DE EXCLUSÃO

Com base nas premissas acima, um primeiro princípio de exclusão em relação ao balanço de nutrientes sob pulso de inundação pode ser descrito da seguinte forma:

Os ecossistemas sob pulso de inundação não são, naturalmente, propícios à agricultura intensiva.

Um exemplo singular desse princípio é representado pela geografia cultural aborígine de Llanos de Mojos, em Beni, Bolívia (Denevan, 1966). A população pré-hispânica nativa de Llanos de Mojos sabia que suas terras eram muito planas e sujeitas a inundações sazonais prolongadas. Ao longo dos anos, eles aprenderam que a única maneira de abrir o ciclo do nitrogênio, possibilitando assim a exportação de nutrientes, era construir os campos elevados, ou "camellones" (Figs. 1 e 4). Essas características antropogênicas da paisagem procuravam evitar a inundação a fim de manter porções de terra suficientemente secas durante a maior parte, se não o ano inteiro.

O número e a extensão aérea desses campos montanhosos comprovam a engenhosidade e perseverança dos povos primitivos de Llanos de Mojos. Denevan (op. cit.) estimou um mínimo de 100.000 campos drenados ocupando 15.000 acres espalhados de maneira desigual em uma área de 30.000 milhas quadradas no oeste de Beni. Esse exemplo de engenharia agrícola em grande escala mostra como os seres humanos nesta parte do mundo conseguiram sobreviver, apesar das probabilidades aparentemente intransponíveis.

Hummock in the Llanos de Mojos, Beni, Bolivia

Fig. 4  Vista, ao nível do solo, de um camellón em Llanos de Mojos, Beni, Bolívia.


6.  SEGUNDO PRINCÍPIO DE EXCLUSÃO

Um segundo princípio de exclusão, que não envolve ação ou necessidade humana, pode ser descrito da seguinte forma:

Nos ecossistemas sob pulso de inundação, a sobrevivência da vegetação lenhosa depende de suas relações simbióticas com os capões.

A aplicação desse princípio está incorporada nos diferentes capões existentes em Everglades, na Flórida (Figs. 5 e 6), no Pantanal de Mato Grosso (Figs. 7 e 8) e na planície de inundação do rio Araguaia, no Brasil (Figs. 9 e 10), para citar alguns.

Aerial view of hummocks, Everglades, Florida

Fig. 5  Vista áerea dos capões de Everglades, Flórida.
Observe que o alinhamento longitudinal é paralelo à direção do fluxo.
(Fonte:  Google Earth).

Um capão é uma ilha de vegetação lenhosa dentro de uma grande extensão de planície com herbáceas sazonalmente inundadas. Geralmente, as árvores não podem se estabelecer a partir de sementes no solo continuamente úmido (Eiten, 1975). Portanto, supõe-se que as ilhas tenham se formado, durante o período quaternário, por sedimentação progressiva, possibilitando a colonização da planície de inundação por vegetação lenhosa. Além disso, o ciclo do nitrogênio foi aberto, permitindo o acúmulo e a exportação de nutrientes, embora um pouco limitado pelo trânsito da fauna silvestre.

A hummock near the Tamiami Trail, the Everglades, Florida

Fig. 6  Um capão perto da Trilha de Tamiami, Parque Nacional de Everglades, Sul da Flórida.


7.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

A abertura do ciclo do nitrogênio é um pré-requisito para a sustentabilidade dos ecossistemas, naturais e artificiais, que dependem desse nutriente para sua sobrevivência e/ou exportação subsequente. Dois princípios de exclusão relacionados são formulados: (1) os ecossistemas sob pulso de inundação não são naturalmente propícios à agricultura intensiva; e (2) nos ecossistemas sob pulso de inundação, a sobrevivência da vegetação lenhosa depende de suas relações simbióticas com os capões.

Os camellones de Llanos de Mojos são um excelente exemplo do primeiro princípio. Os capões de Everglades, o Pantanal do Mato Grosso e a planície de inundação do rio Araguaia são exemplos claros do segundo princípio. Pesquisas adicionais sobre o ciclo do nitrogênio, incluindo o importante estágio de desnitrificação, devem lançar luz adicional sobre o funcionamento da natureza e sua emulação pelos seres humanos.

Large hummock in the Pantanal of Mato Grosso, Brazil

Fig. 7  Um capão largo no Pantanal do Mato Grosso, Brasil.

Small hummock in the Pantanal of Mato Grosso, Brazil

Fig. 8  Pequeno capão no Pantanal do Mato Grosso, Brasil.


REFERÊNCIAS

Denevan, W. M. 1966. The aboriginal cultural geography of the Llanos de Mojos of Bolivia, Iberoamericana, 48, University of California Press, Berkeley and Los Angeles.

Eiten, G. 1975. The vegetation of the Serra do Roncador. Biotrop., 7, 112-135.

Junk, W. J., P. B. Bailey, and R. E. Sparks. 1989. The flood-pulse concept in river-floodplain systems. Proceedings of the International Large River Symposium, Canadian Special Publication Fishing and Aquatic Sciences, 106, 110-117.

Smith, A. 1971. Mato Grosso:  Last virgin land. Dutton, New York.

Welch, E. B. 1982. Ecological effects of wastewater, Second Edition, Chapman and Hall, London.



Hummock in the floodplain of the Araguaia River, Brazil

Fig. 9  Capão na planície de inundação do rio Araguaia, Brasil.

Hummock pattern in the floodplain of the Araguaia River, Brazil

Fig. 10  Padrão de capões na planície de inundação do rio Araguaia, Brasil (Smith, 1971).


191028 17:50