the age of impermanence



A ERA DA IMPERMANÊNCIA

    
Victor M. Ponce


200311


♦ "Minha cota de artigos"

"Eu escrevi minha cota de artigos", declarou um colega que subiu para as cadeiras administrativas da academia no final da década de 1970. Sendo um professor assistente na época, percebi que ainda não tinha. Assim, nas três décadas seguintes, dediquei-me à publicação acadêmica, sempre atento ao ditado "Publique ou pereça". Meu primeiro artigo foi publicado em 1977 e meu último no ano de 2003. 1, 2

Naqueles dias, publicar em um jornal científico ou profissional não era para os fracos. Primeiro, porque isso demorava um pouco, geralmente entre um a dois anos, para o manuscrito percorrer o processo de revisão por pareceristas. A revisão pelos pares era necessária para garantir que o trabalho fosse relevante, preciso e devidamente fundamentado. O objetivo do sistema era identificar os erros antes da publicação. Erros em trabalhos publicados não só poderiam ser enganosos, mas também poderiam questionar a reputação profissional do autor. Além disso, seria impossível recuperar ou corrigir quaisquer erros após o período habitual de seis meses para discussão e finalização. O sistema parecia funcionar bem por quase um século, até que a tecnologia conseguiu colocar uma chave inglesa no processo.

   
the age of impermanence


♦ Publicações online

Entra a internet, c. 1994. A internet revolucionou e continua a revolucionar a sociedade e os negócios. Com a internet onipresente, a publicação online se tornou comum. Não é mais estritamente necessário que um autor potencial se submeta ao rigoroso processo de revisão por pares para publicar. Nos últimos anos, a auto-publicação tornou-se o padrão de fato, como qualquer pessoa que usa a web frequentemente pode assegurar.
  the age of impermanence
 

A presença onipresente da Wikipedia é o principal exemplo de auto-publicação. Ao contrário dos periódicos tradicionais, a publicação online individual é menos estruturada, não segue um padrão definido e adere a poucas regras. Foi-se o tempo em que você tinha que esperar um ou dois anos para que seu artigo visse a luz do dia, caso tivesse sorte o suficiente [podemos dizer?] para transitar com sucesso pelo processo de revisão. A revisão por pares online é mínima ou inexistente, e isso é visto por alguns como uma responsabilidade no quadro convencional das coisas. Mas velocidade, conveniência e empoderamento individual estão no auge.

A tendência da auto-publicação, em várias formas, já está aí. Em agosto de 2010, a Sociedade Ecológica da América lançou um novo periódico, chamado Ecosphere. Esta revista fornece uma publicação rápida, apenas online, aberta a todos, alternativa aos periódicos existentes da Sociedade, e expande a amplitude e profundidade dos trabalhos para cobrir pesquisa colaborativa, mesclando ecologia com economia, história, filosofia, educação, política, entre outros ramos do conhecimento. Consideravelmente, as decisões das submissões são feitas dentro de quatro a seis semanas, e os artigos são publicados em questão de dias após a decisão. Além disso, os artigos não são editados, e os autores assumem essa responsabilidade.


♦ Uma faca de dois gumes

A poeira ainda não abaixou com relação à publicação online. Por enquanto, reconhecemos que a auto-publicação online é uma faca de dois gumes. O material pode não ter sido adequadamente revisado por pares; portanto, sua qualidade não é garantida. No entanto, a auto-publicação online tem uma vantagem inerente, muito poderosa, inexistente no sistema antigo. Ao contrário das publicações tradicionais de periódicos, que são permanentes e sujeitas ao arquivamento, a auto-publicação online é impermanente, não prontamente passível ao arquivamento convencional. Superficialmente, isso parece ser uma desvantagem e levará algumas pessoas a descartar o poder da publicação online como passageiro. No entanto, uma análise atenta das questões aponta para outro lugar.

Observamos que a própria impermanência da publicação online é um ativo, e não um passivo. Com a auto-publicação online, não é preciso ser extremamente cuidadoso [dentro do razoável] ou passar muito tempo verificando o material por meio de revisão por pares ou por outros meios, porque é possível corrigir e atualizar o material, quando alertado por outros sobre erros ou omissões [e a natureza humana irá garantir que isso sempre aconteça]. Assim, documentos online são obrigados a melhorar com o tempo, como um bom vinho.

Correção é algo que não se pode fazer no sistema antigo. Até agora, uma vez que o material viu a luz do dia impresso, ele não pode ser consertado. Certo ou errado, ele permaneceria para sempre nos arquivos do conhecimento humano. Não é difícil perceber que muitos autores que erraram [Deus nos livre!] viram-se defendendo o erro ou optando por esquecer que ele existia, acreditando que a alternativa, um reconhecimento público e subsequente embaraço, poderiam acabar matando o paciente.

   
the age of impermanence


♦ A era da impermanência

A nova experiência de publicação online elimina o problema da permanência de erros e omissões. A partir de agora, as coisas podem ser consertadas e, assim, as publicações online podem ganhar vida própria. Tecnicamente, elas nunca terminam; elas sempre podem ser aprimoradas, complementadas ou vistas em uma perspectiva sempre em evolução. Assim, elas são verdadeiramente dinâmicas, alguns podem dizer "vivas", uma característica que não poderia ser atribuída aos antigos periódicos impressos arquivados nas bibliotecas.
  the age of impermanence
 

Para aqueles que podem interpretar nossas observações como uma defesa de mudanças, é necessário lembrá-los de que apenas expomos as tendências atuais. A mudança está acontecendo diante de nossos olhos, e gostaríamos de nos ajustar à nova ordem e tirar o melhor proveito dela. Como disse o imortal Maquiavel: "... Nos assuntos humanos, sempre se descobre que, vinculado ao que é bom, há algo ruim, e parece impossível ter um sem o outro." 3


1 Ponce, V. M., and D. B. Simons. (1977). Shallow wave propagation in open-channel flow. Journal of the Hydraulics Division, American Society of Civil Engineers, Vol. 103, No. HY2, December.
2 Ponce, V. M., A. T. Shamsi, and A. V. Shetty. (2003). Dam-breach flood wave propagation using dimensionless parameters. Journal of Hydraulic Engineering, American Society of Civil Engineers, Vol. 129, No. 10, October.
3 Machiavelli, N. (1970). The Discourses: Book III, Discourse 37. Penguin Books (First released in the Italian original in 1531).
200311