1. BALANÇO HÍDRICO TRADICIONAL
O balanço hídrico tradicional de uma bacia é apresentado na maioria dos livros-texto, como por exemplo, em
Ponce (2014).
O balanço hídrico é a contabilização da quantidade de água presente nas diferentes fases do ciclo hidrológico em uma bacia específica. Essa contabilização é apresentada de forma completa a seguir:
onde ΔS = mudança no armazenamento, P = precipitação, E = evaporação, T = evapotranspiração, G = água subterrânea e Q = água superficial.
A Eq. 1 indica que, dentro de um período de tempo determinado, a mudança no volume de água armazenado em uma bacia hidrográfica é a diferença entre a entrada (precipitação) e a soma de todas as saídas (evaporação, evapotranspiração, saída de água subterrânea e escoamento superficial).
.
Na prática de hidrologia, os termos da Eq. 1 são expressos em unidades de profundidade de água, isto é, um volume de água uniformemente distribuído sobre a área de captação. Em condições de equilíbrio, ΔS = 0, e a Eq. 1 se reduz a (Fig. 1):
Um balanço hídrico parcial, que considera apenas água superficial, é:
onde I = infiltração. Dentro de um determinado período de tempo, sob condições de equilíbrio;
(ΔS = 0),
a Eq. 3 reduz para
A equação 4 é imperfeita, pois assume que a quantidade de água infiltrada é permanentemente perdida para a porção de água superfícial, o que não expressa bem a realidade. Dentro de um determinado período de tempo, digamos, um ano, as quantidades infiltradas podem retornar ao volume de controle (e eventualmente serem liberadas) como evaporação de lagos e lagoas, evapotranspiração da vegetação ou como componente do fluxo de base do escoamento superficial. Não obstante às suas aparentes limitações na hidrologia de rendimento, a Eq. 4 funciona bem em caso de hidrologia de eventos (vide Ponce & Palaniappan, 2014: Facetas da Hidrologia - em inglês). Na Eq. 4, as perdas hidrológicas L são definidas como a soma da evaporação, evapotranspiração, e infiltração: L = E + T + I. Isso resulta em:
o que leva à equação fundamental da hidrologia de inundações:
2. BALANÇO HÍDRICO CIBERNÉTICO Em uma base anual global, todas as precipitações (1) retornam à atmosfera como vaporização V (por evaporação e evapotranspiração), ou (2) escoam superficialmente R (corpos d'água superficiais). O balanço hídrico convencional separa a precipitação em: (1) perdas, e (2) escoamento (Eq. 5). Essas perdas são evaporação, evapotranspiração e infiltração. No entanto, a parcela de infiltração das perdas pode eventualmente aparecer como evaporação, evapotranspiração ou componente de fluxo de base do escoamento superficial; ocorrendo, assim, a contagem dupla. L'vovich (1979) resolveu esse problema ao introduzir o conceito de molhamento. Ele separou a precipitação anual em dois componentes (Fig. 3):
onde S = escoamento superficial, isto é, a porção do escoamento que se origina na superfície, e
Por sua vez, o molhamento é separado em dois componentes:
onde U = fluxo de base, isto é, a fração do molhamento que passa a fazer parte de corpos d'água superficiais em época de estiagem e V = vaporização, isto é, a fração do molhamento que retorna à atmosfera em forma de vapor. Ostensivelmente, o balanço hídrico de L'vovich negligencia a percolação em profundidade, que corresponde a porção de umedecimento que ultrapassa completamente as águas superficiais, estimado em menos de 2% da precipitação em uma base global (World Water Balance, 1978). A vaporização, que compreende toda a umidade devolvida à atmosfera, tem dois componentes:
onde E = evaporação não produtiva, aqui designada apenas por "evaporação", e T = evaporação produtiva, isto é, que resulta da transpiração das plantas, aqui designada como "evapotranspiração". Por sua vez, a evaporação tem dois componentes:
onde Eg = evaporação do solo com e sem cobertura vegetal, bem como armazenamento de pequenas superfície (poças), e Ew = evaporação de corpos d'água superficiais, como lagos, reservatórios, rios e córregos. Evapotranspiração T é a evaporação de superfícies vegetais, como folhas e outras partes das plantas, em função de suas necessidades fisiológicas de retirar a umidade do solo para manter turgor e obter nutrientes.
Escoamento total é a soma do escoamento superficial e do fluxo de base:
Combinando as Eqs. 7, 8, e 11:
Eqs. 7 to 12 constituem um conjunto de equações de balanço hídrico. Combinando as Eqs. 11 e 12 obtem-se:
Eq. 13 separa precipitação em três componentes principais: (1) escoamento superficial, (2) fluxo de base e (3) vaporização. Significativamente, a Eq. 13 pressupõe que a mudança no armazenamento de umidade do solo de um ano para outro é insignificante, uma suposição útil como uma primeira aproximação. Considerando-se o balanço hídrico de L'Vovich, dois coeficientes de equilíbrio hídrico podem ser definidos: (1) coeficiente de escoamento e (2) coeficiente de fluxo de base. O coeficiente de escoamento é:
O coeficiente de fluxo de base é:
A Fig. 4 apresenta os valores dos coeficientes de escoamento e de fluxo de base calculados por Ponce & Shetty (1995), com base em dados apresentados por L'vovich (1979). Verifica-se que, em todos os casos, os coeficientes de escoamento e de fluxo de base aumentam com a precipitação anual.
3. ANÁLISES
Observa-se que o balanço hídrico convencional, Eqs. 1 a 6, é dedutivo e comprovadamente baseado em uma premissa de causa-efeito. A abordagem fundamental é subtrativa, caracterizada pela afirmação: "o fluxo é igual a precipitação menos perdas" (Eq. 6).
Funciona
razoavelmente bem para aplicações em hidrologia de eventos (como o método racional
de hidrologia urbana)
mas, devido à dupla contagem, a precisão diminui para a hidrologia produtiva de longo prazo.
Por outro lado, a abordagem cibernética do balanço hídrico, Eqs. 7 a 13, é indutiva,
não baseada em causa-efeito, mas na totalidade do sistema. A abordagem fundamental é aditiva, caracterizada pela declaração "precipitação é igual ao escoamento mais vaporização" (Eq. 12). Essa abordagem é adequada para hidrologia produtiva, isto é, para determinações de coeficientes de escoamento e de fluxo de base anuais.
4. RESUMO
Uma comparação entre a abordagem convencional do balanço hídrico e a abordagem de molhamento apresentado por L'vovich, aqui referido como abordagem cibernética, revela diferenças conceituais fundamentais.
A abordagem convencional é considerda mais adequada para hidrologia de eventos, particularmente em aplicações ligadas a enchentes e hidrologia urbana.
Por outro lado, a abordagem cibernética é adequada para hidrologia de rendimento, isto é, para determinação de disponibilidade hídrica em base anual.
Uma calculadora online (em inglês) para balanço hídrico cibernético finaliza a experiêcia (Online water balance).
Referências
L'vovich, M. I. 1979. World water resources and their future.
Translation from Russian by Raymond L. Nace, American Geophysical Union.
Ponce, V. M., and A. V. Shetty. 1995.
A conceptual model of catchment balance: 2. Application to runoff and baseflow modeling. Journal of Hydrology, 173, 41-50.
Ponce, V. M. 2014. Engineering hydrology: Principles and practices.
Online text; Second edition.
World water balance and water resources of the Earth. (1978). USSR Committee for the International Hydrologic Decade, UNESCO, Paris.
|
180201 09:00 |